Escrito por: Felipe Aquino
Em face da condenação de um livro de Jon
Sobrinho, um dos teólogos líderes da teologia da libertação, pela Sagrada
Congregação da Doutrina da Fé, do Vaticano, a discussão sobre esta teologia
voltou a campo.
Um grupo de teólogos desta linha acaba de publicar um livro contestando a ação
do Vaticano e do Papa. São eles: Marcelo Barros, Leonardo Boff, Teófilo
Cabestrero, Oscar Campana, Víctor Codina, José Comblin , Confer de Nicaragua,
Lee Cormie, Eduardo de la Serna, José Estermann, Benedito Ferraro, Eduardo Frades,
Luis Arturo Garcia Dávalos, Ivone Gebara, Eduardo Hoornaert, Diego IrarrázavaI,
Jung Mo Sung, Paul Kmitter, João Batista Libânio, María y José Ignacio López
Vigil, Carlos Mesters, Ricardo Renshaw, Jean Richard, Pablo Richard, Luis
Rivera Págan, José Sánchez, Stefan Silber, Ezequiel Silva, Afonso Mª Ligório
Soares, José Sols, Paulo Suess, Luiz Carlos Susin, Faustino Teixeira, Tissa
Balasuriya, e José María Vigil.
A Associação Ecumênica de Teólogos/as do Terceiro Mundo Mundo publicou o livro
“Bajar de la cruz a los pobres: cristología de la liberación”.
Muitos perguntam, o que é afinal, esta teologia da libertação? Vou responder
esta pergunta com a resposta que deu a ela a autoridade da Igreja Católica; o
Cardeal Joseph Ratzinguer, escolhido pelo Papa João Paulo II, em 1981, para ser
o Prefeito da Sagrada Congregação da Doutrina da Fé; aquela que está
encarregada de cuidar da “sã doutrina” (1Tm1,10; 4,6; Tt1,9; 2,1;2,7; 2Tm4,3),
que com tanta ênfase São Paulo recomendava a Timóteo e a Tito. Hoje o então Cardeal Ratzinger é o
Papa Bento XVI.
A teologia da libertação surgiu, mais especificamente, na América Latina, na
década de 60, e ganhou adeptos principalmente nas Comunidades Eclesiais de
Base. A partir dos anos 80 pudemos sentir mais de perto a sua ação. Foi então
que o Cardeal Ratzinger, escreveu um importante artigo intitulado “Eu vos
explico a teologia da libertação” (Revista PR,n. 276, set-out, 1984,
pp354-365), onde deixou claro todo o seu perigo. Analisando este artigo,
D.Estevão Bettencourt, afirma: “O autor mostra que a teologia da libertação não
trata apenas de desenvolver a ética social cristã em vista da situação
socioeconômica da América Latina, mas revolve todas as concepções do
Cristianismo: doutrina da fé, constituição da Igreja, Liturgia, catequese,
opções morais, etc.
Entre as afirmações, o então Cardeal Prefeito diz:
“A gravidade da teologia da libertação não é avaliada de modo suficiente; não
entra em nenhum esquema de heresia até hoje existente; é a subversão radical do Cristianismo,
que torna urgente o problema do que se possa e se deva fazer frente a ela”. (os
grifos são meus)
“A teologia da libertação é uma nova versão do Cristianismo, segundo o
racionalismo do teólogo protestante Rudolf Bultmann, e do marxismo, usando “a
seu modo”, uma linguagem teológica e até dogmática, pertencente ao patrimônio
da igreja, revestindo-se até de uma certa mística, para disfarçar os seus
erros”.
O então Cardeal foi muito claro ao afirmar o perigo:
“Com a análise do fenômeno da teologia da libertação torna-se manifesto um
perigo fundamental para a fé da Igreja. Sem dúvida, é preciso ter presente que
um erro não pode existir se não contém um núcleo de verdade. De fato, um erro é
tanto mais perigoso quanto maior for a proporção do núcleo de verdade
assumida”.
E o Cardeal vai explicando esta teologia “nova”:
“Essa teologia não pretende constituir-se como um novo tratado teológico ao
lado dos outros já existentes; não pretende, por exemplo, elaborar novos
aspectos da ética social da Igreja. Ela se concebe, antes, como uma nova
hermenêutica da fé cristã, quer dizer, como nova forma de compreensão do
Cristianismo na sua totalidade. Por isso mesmo muda todas as formas da vida eclesial; a
constituição eclesiástica, a Liturgia, a catequese, as opções morais…”
“A teologia da libertação pretende dar nova interpretação global do
Cristianismo; explica o Cristianismo como uma práxis de libertação e pretende
constituir-se, ela mesma, um guia para tal práxis. Mas, assim como, segundo essa teologia, toda
realidade é política, também
a libertação é um conceito político e o guia rumo à libertação deve ser um guia
para a ação política”.
A libertação, para a teologia da libertação, é conquistada pela via política, e não pela Redenção de Jesus, o
“Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” (Jo1,29). Jesus veio para “salvar o
seu povo dos seus pecados” (Mt 1,21), e disse a Pilatos que “o seu Reino não é
deste mundo”. O pecado, para a teologia da libertação, se resume quase que só
no “pecado social”, mas este, não será “arrancado” com a conversão e com os
Sacramentos da Igreja, mas com a “libertação” do povo, pela luta política. Daí o fato de haver um laxismo
moral e espiritual em muitos adeptos dessa teologia.
Muitos não valorizam a celebração da Missa,
a não ser como uma “celebração
de mobilização política” do
povo oprimido. Não se valoriza suficientemente a oração, a Confissão, a
Eucaristia, o santo Rosário, a adoração ao Santíssimo Sacramento, e a todas as
práticas de espiritualidade tradicionais, que são, então, consideradas
superadas e até alienantes.
Conheço vários jovens sacerdotes que se formaram em seminários fortemente
influenciados pela teologia da libertação, e que hoje deixaram o sacerdócio,
ficaram esvaziados espiritualmente… Noto que nem se realizaram no campo social
e nem no campo religioso.
O então Cardeal Ratzinguer mostrou que é difícil enfrentar esse perigo,
pois, como afirma:
“Os teólogos da libertação continuam a usar grande parte da linguagem ascética
e dogmática da Igreja em chave nova, de tal modo que aqueles que lêem e
escutam, partindo de outra visão, podem ter a impressão de reencontrar o
patrimônio antigo com o acréscimo apenas de algumas afirmações um pouco
estranhas…”
O então Cardeal mostrou a inversão que se faz no papel da comunidade, povo e
história, para a vida da Igreja:
“A comunidade ‘interpreta’, com a sua
‘experiência’ os acontecimentos e encontra assim a sua práxis”. ”‘Povo’
torna-se assim um conceito oposto ao de ‘hierarquia’ e antítese a todas as
instituições indicadas como forças da opressão. Afinal, é ‘povo’, quem
participa da ‘luta de classes’; a
‘ igreja popular’, acontece em oposição à Igreja hierárquica.
Por fim, o conceito de ‘história’, torna-se instância hermenêutica decisiva,…a
história é a autêntica revelação e, portanto, a verdadeira instância
hermenêutica da interpretação bíblica… Pode-se dizer que o conceito de história
absorve o conceito de Deus e de revelação”.
Em seguida, o então Cardeal mostra a deturpação
também naquilo que é essencial: o Reino de Deus.
“Esse conceito encontra-se também no centro das teologias da libertação, lido
porém no contexto da hermenêutica marxista. Segundo Jon Sobrino, o reino não
deve ser compreendido espiritualmente, nem universalmente, no sentido de uma
reserva escatologicamente abstrata. Deve ser compreendido de forma partidária e voltado para a práxis”.
Aqui se entende porque os adeptos da teologia
da libertação militam nos partidos políticos que visam a “libertação do povo”.
O Papa
Paulo VI, na Evangelii Nuntiandi, explicou o que é a verdadeira libertação:
“Acerca da libertação que a evangelização
anuncia e se esforça por atuar, é necessário dizer antes o seguinte: ela não
pode ser limitada à simples e restrita dimensão econômica, política, social e
cultural; mas deve ter em vista o homem todo, integralmente, com todas as suas
dimensões, incluindo a sua abertura para o absoluto, mesmo o absoluto de Deus…
Mais ainda: a Igreja tem a firme convicção de
que toda a libertação temporal, toda a libertação política, mesmo que ela
porventura se esforçasse por encontrar numa ou noutra página do Antigo ou do
Novo Testamento a própria justificação, … encerra em si mesma o gérmen da sua
própria negação e desvia-se do ideal que se propõe, por isso mesmo que as suas
motivações profundas não são as da justiça na caridade, e porque o impulso que
a arrasta não tem dimensão verdadeiramente espiritual e a sua última finalidade
não é a salvação e a beatitude em Deus.”
“A libertação que a evangelização proclama e
prepara é aquela mesma que o próprio Jesus Cristo anunciou e proporcionou aos
homens pelo seu sacrifício.” (n.33)
Os adeptos da teologia da libertação têm a enganosa mania de pensar que quem não aceita esta
teologia não trabalha pelos pobres e oprimidos e não se preocupa com eles; se
acham os únicos defensores dos excluídos; é um grande erro.
A Igreja em seus 2000 anos de vida sempre
socorreu os desvalidos e ainda o faz, mas nunca precisou lançar mão de
ideologias estranhas para isso; sempre agiu pelo puro amor a Jesus Cristo que
sofre no doente, no preso, no faminto, etc. A Igreja não precisa que novos
teólogos a ensinem a fazer caridade; ela a faz desde os Apóstolos, ela é
“perita em humanidade”, como disse Paulo VI.
Hoje 25% das instituições que tratam dos aidéticos são da Igreja; em toda a
História da Igreja os santos e santas viveram a verdadeira caridade; só para
citar alguns: Santa Isabel da Hungria, S. Vicente de Paulo, S. Francisco de
Assis, S. Camilo de Lelis, S. João Bosco, Madre Teresa de Calcutá, Ira. Dulce,
e milhares de outros que nunca
precisaram reinterpretar o Evangelho e politizar a fé com métodos marxistas de
luta de classes, invasão de
propriedades alheias fora da lei, etc., para promover os pobres. São os
verdadeiros bons samaritanos do Evangelho.
O Papa
João Paulo II ao menos por
duas vezes, falando aos bispos do Brasil, condenou as invasões de terras:
1 – Ao segundo grupo de Bispos do Brasil, do
Regional Sul l da CNBB, em visita “ad limina Apostolorum” de 13 a 28 de Março
de 1996, o Papa disse:
“… mas recordo, igualmente, as palavras do meu
predecessor Leão XIII quando ensina que“nem a justiça, nem o bem comum
consentem danificar alguém ou invadir a sua propriedade sob nenhum pretexto”
(RN, 55). A Igreja não pode
estimular, inspirar ou apoiar as iniciativas ou movimentos de ocupação de
terras, quer por invasões pelo uso da força, quer pela penetração sorrateira
das propriedades agrícolas.”
2 – Em discurso em 26/nov/2002 aos bispos do
Brasil, ele voltou a dizer:
“Para alcançar a justiça social se requer muito
mais do que a simples aplicação de esquemas ideológicos originados pela luta de
classes como, por exemplo, através da invasão de terras – já reprovada na minha
viagem pastoral em 1991 – e de edifícios públicos e privados, ou por não citar
outros, a adoção de medidas técnicas extremas, que podem ter conseqüências bem
mais graves do que a injustiça do que pretendiam resolver”.
Não podemos nos fazer de surdos a essas
palavras. Concluo com as sábias palavras de D.
Estevão:
“O cristão não pode ser de forma alguma, insensível à miséria dos povos do
Terceiro Mundo. Todavia para acudir cristãmente a tal situação, não lhe é
necessário adotar um sistema de pensamento que é anticristão como a Teologia da
Libertação; existe a doutrina social da Igreja, desenvolvida pelos Papas desde
Leão XIII até João Paulo II de maneira cada vez mais incisiva e penetrante. Se
fosse posta em prática, eliminaria graves males de que sofrem os homens, sem
disseminar o ódio e a luta de classes”.
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