Existem muitos problemas com a vida religiosa, mas há alguns
que estão relacionados com a mentalidade contemporânea, e que precisam ser
combatidos para que a vida consagrada seja realmente consagrada.
O maior e principal deles, em minha opinião é o “já tôbão”.
Que consiste em que o religioso, por “já ter” aberto mão do mundo e se
introduzido em uma comunidade religiosa, ele já fez o que devia fazer e se
sente desobrigado de fazer outras coisas ou fazer mais...
No caso da comunidade, os consagrados e padres que lá vivem,
acreditam, que por já estarem vivendo com os dependentes químicos “já fizeram”
mais do que deviam. Claro que eles não declaram isso, mas vivem isso!
Para constatar isso, basta que você descubra o horário da
oração pessoal de algum deles (se há um horário específico, ou se há um horário
para isso) e convidá-lo, por exemplo, para ir à uma pizzaria, ou se uma
“visita” importante chega no recanto, ou um dos membros da diretoria da
comunidade... sei lá, qualquer desculpa serve, para deixar a oração pessoal,
acompanhamento dos acolhidos ou até a oração comunitária.
E quando conversam entre si você escuta aquela
justificativa: “Eu já abri mão de tudo para estar aqui, que mal tem deixar uma
tarefa para se fazer o que agrada, não é pecado!?”
É comum um acolhido entrar num recanto, passar 6 meses no
recanto e nenhum consagrado sentar com ele em nenhum dos 330 dias que ele
passou por lá para acompanha-lo, e quando é questionado, é comum se ouvir: “Quando
eu era acolhido fiquei mais de um ano sem ser acompanhado e olha eu aqui!”.
Esta mentalidade é comum na maioria dos consagrados.
E o pior nem é isso, o pior é quando um dos acolhidos
questiona isso, pois ele lê no livro que dá todo o direcionamento das
atividades de um consagrado e cobra os consagrados à vivência do que o fundador
idealizou, e infelizmente, este acolhido, é taxado pelos consagrados com os
mais variáveis rótulos: “pessimista”, “arrogante”, “sem discernimento”. E na
pior das hipóteses, este acolhido, acaba sendo perseguido por um dos
consagrados até que o acolhido, que está na comunidade para ser reparado,
restaurado, acaba desistindo ou até sendo mandado embora.
Infelizmente presenciei uma cena terrível, um acolhido que
estava na comunidade há 4 meses (128 dias) e nunca havia sentado com nenhum dos
consagrados do recanto para conversar e ser acompanhado, (nesta época, minha
esposa e eu não tínhamos autorização para acompanhar os acolhidos), e depois
deste tempo todo, aquele acolhido, que era chamado de “filho” e deveria ser
tratado como tal, ao questionar um dos consagrados que insiste e faz muita
questão de ser chamado de “pai” pelos acolhidos (pai fulano), gritou para o
acolhido: “se não está satisfeito, pegue suas coisas e vá embora!”
Simples assim... Aquele acolhido, que de fato estava lutando
para permanecer na comunidade, lutando diariamente contra a abstinência da
droga, que esperava ser acolhido e cuidado na comunidade, após abrir o coração
e “reclamar” justamente algo que é propagandeado, mas não é feito, foi expulso
do recanto sumariamente, sem reuniões, sem consultar os demais consagrados, sem
nenhuma satisfação se não: “ele estava arrumando situação para ir embora e
conseguiu”.
Mas, como a consciência deste e dos demais consagrados já
está tomada pelo “já tôbão” ele se justifica para si mesmo e diz, que não é por
falta de misericórdia ou de acolhimento que ele tomou esta atitude, e não é
fruto de autoritarismo o fato dele não ter consultado os demais membros da
comunidade, mas sim, é a ação do “espírito” nele que o autoriza agir daquela
maneira. Obviamente, este consagrado especificamente depois até teve um
problema mental sério, devido ao seu próprio afastamento da oração pessoal e da
sua vida consagrada e é claro a sobrecarga que os padres da comunidade submetem
aos consagrados, que também justificam o não cumprimento de suas atividades de
consagrados com a sobrecarga de trabalho no recanto.
E este exemplo pontual, se repete em maior ou menor
intensidade nos demais recantos da comunidade, onde os membros da comunidade,
que deveriam viver em clima fraternal e familiar, vivem competindo pela atenção
dos padres e por cargos para ter algum poder e assim oprimir os demais
consagrados.
Isso fica claro nos cargos de “superior” e de
“administrador” dos recantos. É caricato o consagrado que assume a função de
administrador num dia, no dia seguinte é tratado com maior honra e
“puxa-saquismo” pelos demais consagrados da comunidade. É tratado como chefe e
patrão. Assim como tratam os padres e os padres os tratam, assim eles tratam
entre si.
O consagrado com função de administrador, se acha no direito
de nem mesmo participar das reuniões semanais, ou das orações comunitárias e
muito menos dos momentos de convivência, pois “ele é mais importante que os
outros”. E como é triste ver quando aparecem câmeras e holofotes que este
consagrado é sempre o primeiro a aparecer. Claro, que esta atitude foi
aprendida com o presidente da comunidade que age da mesma forma.
Houve um caso, certa vez, que um consagrado, aquele que
gosta de ser chamado de “pai fulano”, que era o superior do recanto, quando
teve o surto, no dia seguinte, a mando dos próprios padres, teve seu filho, que
residia com ele no recanto, expulso da comunidade. Depois que o tal consagrado
voltou para o recanto, os padres disseram que foi culpa da administradora, que
continua insistindo que fez tudo por que os padres mandaram. Resultado: se
dizem irmãos, mas na hora de serem irmãos, são os piores inimigos uns dos
outros.
Faça você mesmo a experiência, sente com um consagrado e
seja sincero emitindo sua opinião sobre os consagrados com cargos,
imediatamente você irá ouvir, da boca do consagrado, que deveria zelar pela
vida dos irmãos que já tem a sobrecarga dos cargos, as coisas mais atrozes e
terríveis uns dos outros. Coisas que nunca são ditas diretamente. Coisas que na
convivência com todos nunca é tocada.
Graças a Deus, e ao fundador da comunidade, minha esposa e
eu aprendemos que esta é a cultura do “BBB”, é a cultura dos “cristãos light” e
nunca fomos coniventes com isso. Em todas as reuniões tratávamos o que
precisava ser tratado e dizíamos o que estávamos sentindo e precisava ser dito,
e por isso mesmo, nunca fomos acolhidos no coração da maioria.
Mas isso se deve à mentalidade e ideologia pregada e
ensinada pelo presidente da comunidade que insiste em dizer a todos: “É mais
importante saber dizer do que dizer”. Colocando o politicamente correto na
frente de todas as relações sociais, e é claro propagando a cultura da omissão,
da negligência e da má vontade. Quando o profeta disse para o Senhor, que ele
não sabia falar, a resposta do Senhor foi: “porquanto irás procurar
todos aqueles aos quais te enviar, e a eles dirás o que eu te ordenar.” (Jr 1,7)
Sabe...muitas vezes este diálogo passou pela minha cabeça. O
Senhor dizendo ao presidente da comunidade para profetizar e dizer as verdades
que ele conhece, sente e sabe que precisa dizer, mas ele respondendo: “Senhor,
vós não sabeis que é mais importante saber dizer que dizer, por isso, como eu
não sei como dizer, então vou ficar quieto”. E o Senhor dizendo pra ele: “Não
digas que não sabes falar, vai falar por Mim”. E o presidente (que é chamado de
prefeito pelos consagrados) fica quieto, pois, justifica sua consciência para
si mesmo: “eu já assumi esta comunidade, sem ter querido fazer isso, ‘já tôbão’
e não preciso fazer mais nada”.
E não faz mesmo, não cumpre horários, não cumpre com suas
promessas, desmarca compromissos, coloca seu bem estar na frente dos demais,
faz uma igreja inteira esperar pelos seus caprichos de não “gostar de relógio”
e começar a Santa Missa com um atraso de uma hora e ainda faz uma hora de
homilia para justificar o seu atraso. Por isso, a “culpa” nem é tanto dos
consagrados, pois estes estão aprendendo com o presidente, que faz questão de
não fazer mais nada do que já faz, pois à final de contas... Ele “já tá bão!”
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