Por: Dom Henrique Soares da Costa
Nunca escondi meu profundo amor por Joseph Ratzinger. É antigo: desde 1981. Em novembro daquele ano, seminarista em férias, li um texto seu. Lá havia uma frase do então Cardeal Arcebispo de Munique: “Ninguém é maduro de verdade até que tenha enfrentado sua própria solidão!” Meus olhos marejaram (como marejam agora, neste momento). Pensei: quem afirma isto só pode ser um homem de verdade, só pode ser alguém que tem uma profunda experiência de Cristo! Eis aqui um homem de Igreja que continuou homem, com um coração, com sensibilidade, com retidão!
Um ano depois, dei com uma entrevista do Cardeal, agora nomeado Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé. Ele afirmava: “O primeiro dever do Bispo é defender a fé dos pequenos contra a prepotência de alguns teólogos...” Vibrei de alegria! O homem era realmente católico em cada fibra: sabia que a fé supera a razão e que o Mistério não se apreende em profundidade a não ser de joelhos e bebendo a límpida fé da Mãe Igreja, fé que se manifesta sobretudo nos pequenos, nos simples, no Povo de Deus em seu dia-a-dia.
Ratzinger tornou-se para mim uma referência. Doíam-me tanto as calúnias contra ele, as afirmações de muitos adeptos da Teologia da Libertação, que deformavam a imagem e o pensamento do Cardeal de modo vergonhosamente desonesto. Lembro-me das declarações pervertidas de Leonardo Boff e companhia a respeito do Cardeal Prefeito que, generosamente, ajudara ao próprio Boff nos tempos de estudo na Alemanha... Aqui no Brasil, as editoras católicas o censuravam metodicamente... Se algum seu escrito perdido aparecia, era dos menos expressivos e importantes... A imprensa só falava do Cardeal para criticá-lo, insuflada por certos setores da Igreja no nosso País...
A coisa intensificou-se quando da doença de João Paulo II. Agora era preciso queimar de vez o Cardeal da Inquisição, o Desumano, o Ditador... Foi uma pesada campanha dentro e fora da Igreja, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa... As pessoas nunca leram nada de Ratzinger, mas o antipatizavam de todo o coração. Recordo do conhecido jornalista Alexandre Garcia, que confessou ter comprado livros de Ratzinger e lido seus textos. Tomou um susto: o homem que escrevera aquelas coisas não era nada daquele monstro que diziam... Eis: o preconceito, filho da ignorância e irmão da má-fé!
E veio o Conclave. Aquele que no céu tem o seu trono riu-se dos planos dos homens e zombou dos grandes e sabidos deste mundo. Ratzinger tornou-se Bento XVI! Ouvi entrevistas, vi matérias na imprensa nacional e internacional simplesmente vergonhosas, vi entrevistas de teólogos – recordo de um da PUC de São Paulo à TV alemã – simplesmente revoltantes: mentirosas, desonestas, caluniadoras, sem caridade...
E aí está Bento XVI: amado por seu rebanho e por tantas pessoas de boa vontade, pela gente simples, cristã, de DNA católico; homem profundo, mergulhado em Cristo, nele alicerçado; homem doce e ao mesmo tempo tão firme; homem que não tem medo de proclamar a verdade, sem gritar, sem impor, mas sem jamais escondê-la: mostra-a inteira, límpida, serena, cortante, libertadora!
No tocante à vida moral do clero, menos de um mês antes de ser eleito Papa, na via-sacra do Coliseu, afirmou sem meias palavras, desgostando a muita gente: “E que dizer da terceira queda de Jesus sob o peso da cruz? Pode talvez fazer-nos pensar na queda do homem em geral, no afastamento de muitos de Cristo, caminhando à deriva para um secularismo sem Deus. Mas não deveríamos pensar também em tudo quanto Cristo tem sofrido na sua própria Igreja? Quantas vezes se abusa do Santíssimo Sacramento da sua presença, frequentemente como está vazio e ruim o coração onde Ele entra! Tantas vezes celebramos apenas nós próprios, sem nos darmos conta sequer d’Ele! Quantas vezes se distorce e abusa da sua Palavra! Quão pouca fé existe em tantas teorias, quantas palavras vazias! Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele! Quanta soberba, quanta autossuficiência! Respeitamos tão pouco o sacramento da reconciliação, onde Ele está à nossa espera para nos levantar das nossas quedas! Tudo isto está presente na sua paixão. A traição dos discípulos, a recepção indigna do seu Corpo e do seu Sangue é certamente o maior sofrimento do Redentor, o que Lhe trespassa o coração. Nada mais podemos fazer que dirigir-Lhe, do mais fundo da alma, este grito: Kyrie, eleison – Senhor, salvai-nos (cf. Mt 8, 25)".
Um homem assim não passa despercebido: ou é amado ou profundamente odiado! E há muitos que odeiam este santo e bendito Papa! Foi ele que, logo ao assumir, suspendeu o Padre Marcial Maciel, sacerdote famoso e muito apreciado por João Paulo II (o Papa João Paulo desconfiava muitíssimo de acusações na área de pedofilia, porque os comunistas poloneses utilizavam muitas acusações falsas como modo de desmoralizar o clero polaco. Isto criou em João Paulo II uma tendência a não dar muito crédito às acusações. Sempre que via um padre zeloso ser acusado, a tendência era logo recordar as mentiras dos comunistas poloneses... daí, a lentidão do processo do Pe. Macial. Foi um erro compreensível, mas um erro). Bento XVI não! Suspendeu o Pe. Maciel e determinou que vivesse seu fim de vida de modo recluso e sem contato algum com os fieis, numa vida de oração e penitência. O mesmo com o conhecidíssimo italiano Pe. Luigi (Gino) Burresi. Sua punição foi severíssima. Aos Bispos sempre recomendou tolerância zero com a pedofilia. Em seus pronunciamentos sobre o tema, nunca, Papa algum foi tão direto, claro e radical: na Igreja não há lugar para pedófilos. Os pedófilos devem ser demitidos do estado clerical e os Bispos devem comunicar à justiça comum! Tanto que em seu pontificado os casos de pedofilia desabaram...
Mas, nada disso interessa à imprensa, sobretudo aos jornais anticatólicos como New York Times, La Repubblica, El País, Spiegel... Para estes não interessa a verdade: interessam os fatos distorcidos, as meia verdades que, somadas, dão uma enorme mentira, uma triste difamação, uma calúnia monstruosa... O mesmo fizeram com Pio XII... Qual o objetivo? Desautorizar um Papa incômodo, cuja única preocupação é testemunhar o Cristo com toda a inteireza da fé católica. E nada é tão incômodo e antipático quanto isto! Por isso mesmo, tudo quanto este Papa diga ou faça é distorcido, deformado e, depois, duramente criticado, até ao paroxismo...
Mas, Bento XVI seguirá seu caminho! No meu primeiro encontro com ele como Bispo novo com o Sucessor de Pedro, disse-lhe: “Santo Padre, o Povo de Deus lhe quer bem! Nós rezamos por Vossa Santidade, nós estaremos sempre ao lado de Vossa Santidade!” Ele sorriu aquele sorriso tímido, mas tão humilde e franco e disse: “Obrigado! Muito obrigado! Eu preciso tanto do vosso sustento!” Só quem não o conhece poderia pensar que ele se dobra! Ninguém é tão perigosamente livre, é tão docemente forte quanto o homem que fez de Cristo o seu refúgio, a sua luz, a sua certeza! Bento XVI – santo Bento XVI, bendito Bento XVI! – é assim.
Hoje, 29 anos depois daquele 1981, quando, de coração apertado, imagino a dor e a solidão deste homem de Deus, consolo-me pensando no gigante que ele é e vem-me forte, mansa, decidida, certa, a sua palavra: “Ninguém é maduro de verdade até que tenha enfrentado sua própria solidão!” Bento XVI é maduro, Bento XVI não tem medo da própria solidão, pois ela é toda povoada por Cristo!
Deus o abençoe sempre, Padre Santo! Deus o abençoe e o livre das mãos de seus ferozes e maldosos inimigos!
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